terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Te desconheço

há 4 meses nos desconhecemos
há 4 meses que não sei o que é sentir o seu abraço, mas também não sei o que é ser ferida diariamente por tanta frieza.
há 4 meses que reencontrei minha alma em pedaços, aflita pela ideia de solidão
há 4 meses que consegui voltar à superfície das coisas, meus amigos, meus livros, toda minha consciência de mundo: por que estou aqui, o sentido de tudo

há 4 meses me desvencilhei da sua boca, da sua fala.
há 4 meses eu descobri seu jogo mortífero que seria capaz de ser veneno aos animais mais fortes do planeta, e desde então me senti livre de uma maneira meio zonza, afinal, a gente nunca sabe como se recuperar depois de uma injeção de palavras dolorosas

há 4 meses que não sei da sensação de ser preterida, de ser trocado por tão pouco, de ser violada no sentido afetivo, de ser machucada por alguém para a qual eu me dedicava tanto
há 4 meses que consegui fugir da minha própria vontade de continuar, porque acreditava não ser capaz de ser amável pra outros caras (e veja só, eu sou. descobri isso semanas depois de você)
há 4 meses que uma mágoa indiana começou a ter forma, corpo, espaço, e a partir daí se desmanchar plena por aí
há 4 meses eu agradeço, choro, pela benção de ter ido embora. eu sinto uma falta nos dias, mas nada que minha própria presença (firme, serena) não dê conta de suster

há 4 meses que escolhemos nos deletar um da vida do outro como se deleta projetos de arquitetura, planilhas de Excel e tudo aquilo que, na nossa mente, não foi capaz de estar dignamente em nossa memória
há 4 meses decidimos apagar toda uma história porque críamos que seria a melhor opção, já que as lembranças não eram boas o suficiente para habitar o cerne do nosso cérebro, da nossa alma
há 4 meses decidimos que, ao nos esbarrarmos em algum canto/esquina ou lugar, passaríamos sem entreolhares, porque não somos mais do que apenas desconhecidos

no entanto, eu não firmo contratos e me permito pensar em você todos os dias da minha vida. não porque você mereça (e nem é uma questão de merecimento). é porque em determinado momento, eu percebo que você dentro de mim é mais bonito e ser-humano do que fora. eu não apago quem ousou tocar no centro da minha epiderme. mas, ainda assim, te desconheço.